Seguradora que indeniza veículo por Perda Total que é posteriormente leiloado, reparado e retorna a circular deve indenizar terceiro que adquiriu o veículo, sem conhecimento desse histórico, inclusive por Danos Morais.
É o que decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cujo acórdão segue transcrito abaixo:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VEÍCULO RECUPERADO. ATO ILÍCITO. CULPA. SEGURADORA. DEVER DE BAIXAR O REGISTRO. DANO MATERIAL. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR ELEVADO. REDUÇÃO. RECUSO PARCIALMENTE PROVIDO.
- Pertence à seguradora o ônus de promover a baixa de veículo considerado irrecuperável ou definitivamente desmontado, nos termos do art. 126 do CTB;
- Incumbe à apelante responder pelos danos materiais e morais causados à apelada em razão de sua desídia;
- Fixado o valor do dano moral em patamar elevado, impõe-se a redução;
- Recurso parcialmente provido.
Apelação Cível Nº 1.0079.10.037444-0/001 - COMARCA DE Contagem - Apelante(s): CIA SEGUROS MINAS BRASIL - Apelado(a)(s): MARIA HELEOZINA LEAL RIBEIRO RODRIGUES
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. AMORIM SIQUEIRA
Relator.
Des. Amorim Siqueira (RELATOR)
V O T O
Trata-se de apelação interposta à sentença que, nos autos da ação de reparação por danos morais c/c materiais, julgou procedente o pedido para condenar a apelante a pagar a apelada o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de dano moral, aplicando-se juros de mora e correção monetária desde a publicação da sentença, bem como indenização por danos materiais na ordem de R$ 19.145,58 (dezenove mil e cento e quarenta e cinco reais e cinqüenta e oito centavos), corrigido a partir do pagamento de cada prestação e juros de mora de 1% ao mês desde a citação (ff. 72/76).
Inconformada, a apelante aviou o recurso de ff. 84/91, aduzindo que, de fato, em 2002, o veículo era segurado pela apelante e em 2002 se envolveu em acidente de trânsito, tendo sido efetuado o pagamento integral. Afirma que, após, promoveu a venda do bem e não teve mais notícias sobre os posteriores contratos de compra, o que a isenta de qualquer responsabilidade. Sustenta que se a requerente não foi informada sobre a alienação do bem, esse fato não pode ser atribuído à apelante. Alega que não perpetrou qualquer ato ilícito apto a ensejar dever reparatório. Defende que não há configuração de danos morais e pede, alternativamente, sua redução. Assevera que os juros e correção monetária devem ser computados a partir da publicação da sentença. Pede o provimento do recurso.
Preparo regular (f.92).
Foram apresentadas contrarrazões (ff. 95/98).
Inexistem preliminares ou nulidades a serem enfrentadas.
MÉRITO
RESPONSABILIDADE
Compulsando os autos, verifica-se que a apelada alega ter celebrado contrato de compra e venda com Maria do Socorro de Oliveira para aquisição do veículo Fiat Palio ELX ano 2000/2000, placa GXT-9395, tendo sido efetuada a transferência para a sua titularidade.
Após a realização do pacto, argumenta que foi surpreendida com a emissão do CRLV 2009 no qual constava a seguinte informação “ veículo recuperado”.
Diante do noticiado, a recorrida alegou que a empresa apelante praticou ato ilícito e, portanto, deve ser ressarcida pelos danos materiais e morais sofridos, visto que deveria ter sido promovida a baixa do gravame na forma prescrita em lei.
Pois bem.
Pelo que consta na peça de contestação, em 2002, a propriedade do veículo FIAT PALIO ELX ano 2000/2000 acabou transferida à seguradora, diante da sua perda total.
A partir desse momento, então, a seguradora passou a ser a responsável pela baixa do registro junto ao DETRAN, conforme disposto no art. 126, parágrafo único, do Código de Trânsito Brasileiro, segundo o qual:
“Art. 126 – O proprietário de veículo irrecuperável, ou definitivamente desmontado, deverá requerer a baixa do registro, no prazo e forma estabelecidos pelo CONTRAN, sendo vedada a remontagem do veículo sobre o mesmo chassi, de forma a manter o registro anterior.
“Parágrafo único – A obrigação de que trata este artigo é da companhia seguradora ou do adquirente do veículo destinado à desmontagem, quando estes sucederem ao proprietário”.
De acordo com o parágrafo único do art. 126 do CTN, se transferido o veículo para alguma companhia seguradora, ou a terceiro, para desmonte ou aproveitamento de peças, aos mesmos transfere-se a responsabilidade pela baixa (Arnaldo Rizzardo, in Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 1998, pág. 383).
Sobre o tema:
“APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PERDA TOTAL - TRANSFERÊNCIA DO SALVADO - RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA - DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. É obrigação da seguradora em proceder a baixa do registro do veículo envolvido em acidente, considerado irrecuperável, posto que o salvado foi transferido para o seu domínio, conforme dispõe o art. 126, do Código de Trânsito Brasileiro, passando, dessa forma, ser responsável pelos débitos tributários relativos ao bem. A conduta omissiva da seguradora ocasionou dano morais a parte contrária, pelo lançamento injusto ou indevido de divida ativa em órgão público, semelhante às negativações e protestos, suficiente para causar dano moral, independendo de qualquer outra comprovação. (Apelação Cível 1.0106.11.004146-9/001, Relator(a): Des.(a) Estevão Lucchesi , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/11/2012, publicação da súmula em 07/12/2012)”
Averiguada a responsabilidade, cabe-nos averiguar os danos.
DANOS MATERIAIS
Infere-se que a apelante na inicial pretende a restituição do valor pago na compra e venda do veículo, reparos e valor do IPVA de 2009 a 2010. Entende a apelante não ser a responsável por tais quantias, entretanto razão não lhe assiste.
Dispõe o art. 186 do CC:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Por óbvio que, ao não promover a baixa do registro junto ao DETRAN, a apelante causou danos à apelada, a qual adquiriu um veículo que, por ser “recuperado”, tem seu valor de mercado presumidamente diminuído.
A propósito:
APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL - VEÍCULO AUTOMOTOR - TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DO SALVADO - SINISTRO - PERDA TOTAL - RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA - ART. 126 DO CTB.
Deve ser confirmada a decisão que determinou a restituição dos valores despendidos pelo segurado para a quitação da dívida tributária de veículo cujo domínio foi transferido à seguradora quando do recebimento do valor segurado, vez que é sua a responsabilidade de requerer a baixa do automóvel, consoante art. 126, parágrafo único do CTB.
Não merece reforma a sentença que, ao fixar a indenização por danos morais, atentou para as circunstâncias da causa, o grau de culpa do causador, as conseqüências do ato, as condições econômicas e financeiras das partes, objetivando compensar a vítima pelo sofrimento experimentado e servindo também como medida de admoestação ao seu causador, evitando que a atitude repreendida venha se repetir. (Apelação Cível 1.0514.07.027237-2/001, Relator(a): Des.(a) Afrânio Vilela , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/09/2008, publicação da súmula em 09/10/2008)”
Em relação à quantia pleiteada, verifica-se que não houve impugnação específica acerca da planilha trazida na inicial (f. 06), pelo que deve prevalecer o quantum ali indicado.
Como consectário, para evitar enriquecimento sem causa, com a restituição dos valores, o veículo deverá ser devolvido à seguradora.
DANOS MORAIS
A recorrente também deve suportar o dano moral causado à autora, face ao abalo experimentado em decorrência da aquisição de um veículo que foi “ recuperado” sem a anotação respectiva no DETRAN.
É inegável, pois, o desgaste emocional da parte autora com tal situação. No caso, a apelante foi negligente, pois deixou de cumprir sua obrigação.
Senão vejamos:
EMENTA: APELAÇÃO - INTEMPESTIVIDADE - COMPROVANTE DE PAGAMENTO - RAZÕES RECURSAIS DESACOMPANHADAS DAS CUSTAS - JUNTADA POSTERIOR - DESERÇÃO - DANOS MATERIAIS - VEÍCULO - PERDA TOTAL - INDENIZAÇÃO -TABELA FIPE E ENTREGA DO SALVADO - DANO MORAL - OCORRÊNCIA.
- Nos termos do art. 511 do Código de Processo Civil e da iterativa jurisprudência, a comprovação do preparo deve ser feita no ato de interposição do recurso.
- Não há como aplicar a tabela FIPE apresentada pelo apelante, posto que consultada em momento posterior à decisão. Deve ser mantida a sentença que fixou o valor do veículo, conforme tabela FIPE, no entanto considerando o mais próximo do momento da perda, ou seja, do acidente.
- A jurisprudência de nossos tribunais tem evoluído no sentido de reconhecer a desnecessidade de comprovação do dano extrapatrimonial, aceitando como suficiente a demonstração da existência da conduta irregular, prescindindo-se de outras provas de sofrimento e dor. (Apelação Cível 1.0701.12.025204-7/001, Relator(a): Des.(a) Mota e Silva , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/05/2013, publicação da súmula em 23/05/2013)
Desse modo, o dano moral resta perfeitamente caracterizado, não necessitando de nenhum outro elemento complementar, a autorizar a reparação perseguida.
Assim, impõe-se o dever de indenizar.
QUANTUM INDENIZATÓRIO
Referentemente ao valor do dano moral, este deve ser fixado de acordo com a extensão do prejuízo e com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Dessa maneira, tenho que o valor arbitrado pelo MM. Juiz sentenciante se mostra elevado.
Diante de tais parâmetros, o valor da reparação deve restar fixado em R$ 3.000,00 (três mil reais).
Senão vejamos:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - EMPRESA DE TELEFONIA - TAMPA EM PASSEIO PÚBLICO - QUEDA DE TRANSEUNTE - FERIMENTO GRAVE - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - VALOR DA INDENIZAÇÃO - REDUÇÃO - CABIMENTO
- Se as condições de tampa de empresa de telefonia, instalada em passeio público, não apresenta condições de segurança necessárias para garantir a mais absoluta integridade dos que por ali transitam, responde ela pelos danos a estes causados.
- Há que se reduzir o valor arbitrado para a indenização por danos morais se fixado em montante elevado que desatende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. (Apelação Cível 1.0024.11.036389-2/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/06/2013, publicação da súmula em 25/06/2013)”
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para afastar a condenação em danos materiais e reduzir o valor do dano moral para R$ 3.000,00 (três mil reais), aplicando-se juros e correção monetária na forma fixada na sentença. De ofício, para evitar enriquecimento sem causa, determino à restituição do veículo objeto dos autos à apelante.
Custas recursais pela apelante (art. 21 do CPC).
DES. AMORIM SIQUEIRA
Relator
Des. Pedro Bernardes (REVISOR)
V O T O
Após examinar com acuidade o processado, cheguei ao entendimento esposado pelo em. Des. Relator quanto ao resultado do julgamento, registrando que, também a meu ver, o valor da indenização por danos morais deve ser reduzido para R$ 3.000,00.
Compulsando os autos, verifico que restaram caracterizados a conduta antijurídica da apelante, o nexo causal e o dano, capazes de ensejar sua responsabilidade civil de indenizar a apelada pelos danos que ela experimentou.
É fato incontroverso nos autos que a autora comprou o veículo descrito na inicial de Maria do Socorro Oliveira (f. 15), pelo valor de R$ 17.700,00. Restou incontroverso, também, que tal veículo se envolveu em um acidente, fato que implicou a perda total do bem e no pagamento de indenização securitária integral à antiga proprietária, Maria José de Aquino (documento de f. 32).
Conforme confessa a ré em sua contestação, “quando da indenização no ano de 2002, este passou a ser de propriedade da requerida, entretanto, após houve a venda do salvado com a devida restrição” e “a seguradora alienou o veículo a terceiros no estado em que se encontrava, tendo tal negócio jurídico se operado através de leilão, realizado no Palácio dos Leilões – Contagem, ocorrendo a venda como salvados, sendo que foram seguidos todos os trâmites normais de venda do bem e estando com restrições conforme determina a lei” (f. 45).
Ora, se a seguradora pagou indenização pelo veículo e procedeu o leilão do bem, evidente que a propriedade do salvado, ainda que por simples tradição, foi-lhe transferida. Logo, era obrigação dela baixar o veículo junto ao Detran, como dispõe o art. 126 e seu parágrafo único, do CTB.
De fato, não impede a lei que a seguradora, ou qualquer pessoa que se ache na titularidade de um bem, possa usufruir dos poderes/direitos de propriedade que lhe são inerentes, dentre eles a alienação. Entender de modo diverso implicaria em restrição indevida ao direito fundamental de propriedade.
Da leitura da defesa processual, conclui-se que a ré, ora apelante, não refutou a tese de que o veículo era de sua propriedade e se tratava de um salvado, mas não trouxe prova de que vendeu o carro como salvado e muito menos que fez a baixa no Detran. De fato, não trouxe qualquer prova apta a desconstituir os fatos narrados na peça de intróito.
O artigo 333, II, do CPC estabelece que ao réu é imposto o ônus de desconstituir os fatos suscitados pelo autor.
Registre-se que se a apelante tivesse se cercado de todos os cuidados para a transferência do salvado, não teria gerado o infortúnio causado à autora, não havendo que se falar na ausência de obrigação de sua parte.
Como cediço, a negligência é uma das modalidades da culpa e, neste caso, ela é patente, na medida em que a apelante mostrou-se desidiosa ao não providenciar a baixa do salvado no Detran, ou se o fez, não trouxe prova aos autos.
O art. 126 e seu parágrafo único, do CTB visa evitar o denominado "golpe dos salvados", negócio lucrativo que envolve algumas seguradoras e ferros-velhos, no qual o veículo aparentemente inútil e com perda total é vendido para destinatários que se propõem a ressuscitá-lo, dando-lhe aparência de novo. Não está se dizendo que este é o caso da apelante, mas sim que sua conduta de não realizar a baixa no Detran propiciou o dano para a autora dentro destes moldes.
Quanto aos danos morais, tenho que a situação vivenciada foi capaz de gerar sensação de angústia, impotência, de ter sido ludibriada, de degradação da honra. Por outro lado, o “golpe dos salvados” é sim um ilícito voltado contra toda a sociedade, merecendo alto grau de reprovabilidade, pois já que foi dado como veículo perdido por mecânicos preparados, através de perícia minuciosa, não se presta ao uso, ainda mais que representa risco de vida para quem utiliza o veículo.
Com estas considerações, acompanho integralmente o em. Des. Relator.
É como voto.
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Des. Pedro Bernardes.
Relator.
Des. Luiz Artur Hilário - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO"